Vamos falar dos microcontos alçados à fama. Daqueles que são apresentados em qualquer antologia, coletânea ou curso a respeito. Eles também podem aparecer em uma simples roda de conversa, quando alguém quer despertar curiosidade e atenção. Duvida? Não duvide. Tente discorrer sobre um ou dois microcontos, da próxima vez que se reunir com a turma.
Ernest Hemingway
Quando pensamos em Hemingway, o que nos vem à mente? Para a maioria das pessoas, grandes romances como Por quem os sinos dobram e Adeus às armas ou ainda a célebre novela O velho e o mar, com certeza! Para os que se interessam pela sua trajetória pessoal, a lembrança do escritor passa pelo suicídio ter sido uma alternativa coerente com sua vida conturbada, seus escritos trágicos e seus problemas de saúde, que se agravavam dia a dia.
Mas, ao sabermos que é dele um dos mais famosos microcontos jamais escritos, isto sim, causa espanto e curiosidade! Afinal, como um ganhador do Prêmio Pulitzer de Ficção e do Prêmio Nobel de Literatura se atreveria a percorrer este microuniverso literário, sendo ele um dos mais poderosos escritores da literatura moderna?
Eis o microconto de Ernest Hemingway:
Vende-se: sapatinhos de bebê nunca usados.
Vinte e seis letras de pura reflexão e questionamentos: Quem estaria vendendo? Por que os sapatinhos estariam à venda? Por que nunca foram usados? O bebê tinha morrido? O bebê tinha tantos outros sapatinhos a ponto de não ter usado esses? Alguém roubou? Ao ler o microconto, essas são as primeiras perguntas que poderíamos fazer. Mas existem outras.
Em tempo: alguns estudiosos de Ernest Hemingway contestam a sua autoria para este microconto. Mas isso já é outra história...
Franz Kafka
O surrealismo de Salvador Dali é encontrado em Franz Kafka. Pintor e escritor se complementam, em suas produções tão instigantes quanto intrigantes. Distorções, falta de sentido, personagens bizarros, situações complexas e sem lógica, tudo contribui para a criação de uma obra dita kafkiana.
O Processo, considerado por muitos como obra prima de Kafka, serviu de base para a criação de outra obra prima, de mesmo nome, de um gênio chamado Orson Welles. A trama de um suposto crime a ser desvendado pelo suposto criminoso parece uma enigmática fita de Moebius...
Um pioneiro da narrativa breve, Franz Kafka escreveu muitos minicontos e microcontos. Aqui está um deles:
Uma gaiola saiu à procura de um pássaro.
Novamente os questionamentos. Como assim? Uma gaiola, a princípio, não se move (não no universo kafkiano). Como então ela pode sair à procura de? Se a gaiola vai procurar um pássaro, ela irá voar? E por que ela está à procura de? O pássaro fugiu?
Em tempo: para externar a indignação de sua relação com o pai, Kafka foi capaz de lhe escrever uma carta com mais de cem páginas manuscritas. Um contrassenso para quem foi um mestre das narrativas curtas.
Anton Tchekhov
O que seria mais importante no legado de Tchekhov, as peças de teatro ou os contos? Peças como A Gaivota, As Três Irmãs e o Jardim das Cerejeiras são incontestáveis. A abordagem subtextual aos dramas e as entrelinhas não expressas nos diálogos revolucionaram a dramaturgia realista. Quantos aos contos, estes mais parecem os paralelepípedos a pavimentar o caminho daqueles que pretendem se tornar contistas um dia. Haja vista o conto A Dama do Cachorrinho, “uma das maiores histórias já escritas”, como disse Vladimir Nabokov, o célebre criador de Lolita.
E qual seria o microconto escolhido aqui de Anton Tchekhov? Esse:
Um homem, em Monte Carlo, vai ao cassino, ganha um milhão, volta para casa, se suicida.
A história é desconcertante. Um homem, ao ganhar uma fortuna em um casino, pula de alegria, não? Como pode ele voltar pra casa e se matar? Como assim? Qual é a outra história por trás dessa? Será que ele fez uma aposta com alguém? Ou uma promessa? Que situação angustiante...
Em tempo: a curiosidade aqui se resume a uma pergunta. Será que existe algum escritor que tenha escrito mais contos que Tchekhov? Se a resposta for positiva, não a guarde para si. Faça-nos saber!
Você também pode me seguir no Instagram e no Wattpad. Tem microcontos meus lá!
Até a próxima!
Catherine, adorei a sua exposição. É muito bom ter conhecimento de que grandes escritores também escreviam microcontos e minicontos. Pode-se dizer muito com tão poucas palavras. Não conhecia o de Kafka. Amei. Pode ter vários significados, como "O Sistema que vem atrás de nós para nos aprisionar. Ele, a gaiola, nós, os pássaros. Ou a mediocridade, ou o medo de exposição, ou a zona de conforto." Que consigamos fugir de tudo isso e voar livremente, como você tão bem tem feito."
Excelente! Só conhecia do do sapatinho.